quarta-feira, maio 24, 2006

notívagos olhos teus


bom dia, morcego. já é hora de dormir. o ar matutino começa a enrigecer as tuas asas e obstruir o sonar. e quando a aurora rompes, são as fendas das cavernas que estão estreitas para entrar.
não mais à mesma colônia pertences, e teu segredo, é que buscas outra a cada troca de luar. eu sei. eu sei desde um tempo em que voava rasteiro sob a lua. mas mudei o eu voando o breu. o escuro e as asas implumes no inverno não mais em mim estão. agora o tudo de antes são penas de um livre colibri tropical. não mais vejo estrelas e corpos celestes empoeirados. nuvens fofas e deslizes por sobre o mar é a nova vida. meu mundo novo, nem melhor nem pior - apenas distante das corujas.

apartados foram os amigos-cúmplices por serem espécimes de morcegos inimigos. foi feitiço. feitiço forte de muralha protetora da terra santa. a vontade de voar juntos resiste, agora atravessada por um muro. um murro no muro - eles ainda querem voar juntos. e voam - na distância das vidas paralelas, quando um é sol, o outro é lua. mas ainda estão juntos. encontram-se a cada novilúnio, em breves intervalos do amanhecer. porém, o súbito descompasso das asas não deixa prosseguir a cadência. o morcego tem as vistas feridas pelos raios vindos da quinta grandeza estrelar e, cada vez mais, é difícil continuar o breve encontro no ar que espalha o ar.
o pássaro empresta-lhe, então, um dos seus olhos para que juntos possam ver a aurora nascer no mar. um novo panorama da vida preenche a retina do morcego e, ao vislumbrarem juntos o bravio atlântico, o colibri entôa a voz:

- não seduz nem consola essa inércia abandonada - o alembrar das coisas tantas lá de trás, ou ver o agora de nós - o brando sossego, enquanto as árvores crescem, as águas correm e as vidas nossas simplesmente passam sem chegar. assim vivemos. assim estamos - num estar separados juntos.
bom dia, morcego. já está quase na hora de dormir. aqui é o outro mundo onde teus olhos notívagos necessitam de acalento às pressas com compressas de romã. não existem româs onde o atlântico vem banhar. quero entoar um cântico com voz de fada que exale um hálito balsâmico e, ao cantar, atenue o emaranhado de pensamentos noturnos nascidos na caverna fria que deixaste. mas não há tempo para cantorias. não há. ela ficará apenas na vontade. já está quase na hora de te ir. deixo-te. vôa pra lá, só não esqueça: eu falo a tua língua, mas aqui é difícil de entender. as cortantes ondas sonoras de ti são como fios de lã de escondidas pontas enleadas. me diz, me diz como, como então desenlear? se não há tempo!
agora é tarde, morcego. não há nada que se possa fazer. vai-te.
bom dia, amor cego, agora é hora de dormir.

sexta-feira, maio 19, 2006

hoje

a chuva inesperada é boa pra sentir a levada vida lavada. o tudo lá fora se modifica com as gotas do céu. o dentro da gente também. o dia não é o mesmo dia das brisas mornas. um amor imaculado o coração amolece, o pensamento deseja refúgio e principia a emergir das profundezas da alma uma saudade sem explicação direita. a garganta é invadida por um amargo, e a saudade do nada, que no fundo a gente sabe de onde, é aguçadamente salgada pelo refletido brilho da rua.
nas calçadas, movimentos de corpos nebulosos são distorcidas serpentes amorfas mexendo nas poças e, abandonadas, convidam o outono a cobri-las com o manto que voa. vai ver que as chuvas outonais são pra tecer manto no coração dos homens também. pra tecer, lavar e fazer voltar um tempo bom abaixo de chuva.
jaz no chão um colorido vindo das copas das árvores. as folhas multiétnicas misturam-se em pé de igualdade e, na simplicidade de suas formas, dão luz ao belo em cima das lajes. nascem filhas da beleza na água - e mortas dão um sentido vivo aos olhos. os cabelos caídos das árvores dão beleza à vida. então por que insistir em varrê-las no outro dia?
escondam as vassouras dos varredores depois que a chuva passar! o vento sopra depois.
as entapetadas ruas sem os homens parecem finalmente revelar-se mais inteiras no vazio do silêncio, e longe do papel de cumprir o ir e vir dos passos, são o túnel mais poético para o amor proibido se encontrar às escondidas.

quarta-feira, maio 17, 2006

susserana

hoje sou uma personagem susserana
uma escrava suja de vômito por causa da marola do templo abc.
preciso da arte mais perto de meus olhos. não vejo nada daqui.
o aqui tá grey. quero ser um desenho e viver rodeado de cores.
não mais o cinza.
não mais.
o cinza dos sorrisos dos professores cansados
me deixa com medo da vida como ela é.
eu preciso fugir de tudo aquilo
e o tempo não passa
e as algemas estão cada vez mais apertadas.
as chaves?
onde estão?

domingo, maio 14, 2006

câmbio, comunista

minha doida comunista
crítica rebeldemente idealista
sempre me corrigiu os escritos
me achou pedante e exibida um dia
disse que eu dava voltas no texto
pra mostrar ao mundo coisas sabidas
nos intervalos daquelas novelas chatas
me ajudou a construir sentido às quase crônicas
impunha regra para lapidar as composições confusas:
entrar no quarto fumando
e daquele teu jeito de cowboy poderoso
de cigarro gangorra no canto da boca
encarava meu barroquismo
o parquet sujavas com as cinzas ao me ler
teu duelo era aniquilação dos meus excessos
e engraçado
teus pitacos não precisavam do cinzeiro
pois tu, uma pomba-gira de terreiro
nunca ligava pro braseiro
a escrivaninha virava um incensário
como eu odiava aquelas cinzas do teu free desnecessário
mas tinha de me submeter - era uma troca
as cinzas pelos teus eflúvios mentais
hoje vejo
melhorei na lição que tu tentavas me transmitir enésimas vezes feito uma autista
até virar uma música
bem chata, por sinal
a música, lembra?
era o teu repetir robótico das minhas asneiras escritas
até eu sentir que eram absurdas
me diz uma coisa hein?
valeu a pena ?
te deixo o gancho, camerad.

quinta-feira, maio 11, 2006

manancial

a preguiça que sobrepuja o espírito
é como um cavalo que trotanto o bosque em velocidade
cai sem querer na areia movediça
e seu magnânimo corpo lentamente vai indo prum fundo
vai se indo profundo e sem fundo
o vigor das patas de guerra agora é um pedalar de astronauta perdido
não consegue fugir
nem vencer o cansaço
não há fundo no nada que puxa

já não consegue mexer
nem subir para a grama
fazer o tropel retumbante dos cascos
voltar a pisar à terra
as heras rasteiras
não há fundo
apenas seus olhos ainda são livres
percorrem os lírios da mata
brilham como quando veio ao mundo

está tão quentinho ali
um imenso cachecol amorfo se entretece envolto ao pescoço
a densa lama emoldura um quadro
onde as crinas voadoras são disfarçadas algas contorcidas
nesse instante o derrotismo é bálsamo que liberta
as testemunhas do mesmo lodo
são efêmeras bolhas explodindo gordas
e não viverão muito
porém celebram no manacial
o vôo de um cavalo alado

terça-feira, maio 09, 2006

domingo, maio 07, 2006

alienígenas na modorra

as alienígenas de um condado longínquo
não fazem parte do feudo normótico
a modorra dos seus dias sem arte é orvalho de estriquina no entusiasmo poroso
o fastio do templo nocturno esvazia
esgota a tolerância
eleva os níveis da náusea
faz a boca viver em bafos de suspiro
são seres em ponto de transição histórica
não estão lá
nem aqui
vivem o dilema do errante
porém sabem onde querem chegar.

quinta-feira, maio 04, 2006

o medo

o medo quando nos acompanha, pode roubar oportunidades. por ele, dilaceram-se alguns dos verdadeiros amores da vida. o medo é o guarda de trânsito que por acaso foi apitar no asfalto, quando na verdade, era pra ser aviador. sua frustração transforma-se em um autoritarismo desviador de espírito pra rotas outras.
ele existe como um audacioso rei dos ácaros e faz uso capião no velho carpete que tão cedo não será trocado.
o medo começa mais ou menos como uma repetição de um pensamento negativo que por má-programação do axônio, perde-se no labirinto da cabeça. depois de o medo se perder, Ele, por ser o medo, tem medo de pegar outra rota, então, começa a fazer sempre o mesmo caminho nos sulcos dos neurônios, tornando real o que era pra ser apenas um lapso do mal.
o medo cava buraco no cérebro tal qual assoalho gasto de patrimônio público. e não adianta chamar s.o.s-sinteco. sinteco novo não dura onde tem muitos pés. pode testar. é mesma coisa que nada. o medo é como um hóspede bandido fugitivo, que faz as malas da hospedaria por medo de sirene da ambulância. o medo é bem medroso. o medo só pode ser pego com algemas especiais - as da consciência.
e não é que o danado é como raça de bandido mesmo?
depois de capturado sempre tem um outro rondar por aí.

terça-feira, maio 02, 2006

ponto de vista

ponto de vista
pontudo
agudo
no ponto
não morto
afiado
na lata
assinado
na ata
odiado
me mata
se incompreendido
não ata
motivos
pra constar
na errata

meu ponto de vista
são listras
de zebras
azedas e ébrias
que fogem
das sendas
e pousam
em moendas
não medram
ao ataque
mas temem ao Iraque

nãoháque !
nãoháque !
nãoháque!

meu ponto de vista
é um porto seguro
desliza no duro
masnuncaemcimadomuro
o ponto de vista
é de uma trapezista
sob viés anti-hitlerista

resista!