domingo, outubro 29, 2006

lembra

naquele tempo ela padeceu mais, padeceu longinquamente, bebendo até as fezes no cálice das amarguras humanas e quase não recuperou o esteio da vida...


e, se acaso o asco voltar, lembra que matar, minha filha, é equilibrar as necessidades universais. quando for a hora, não exita e, antes de puxar o gatilho, faça-o como se fosse uma justificada canção inconformada do eu pelas tuas mãos.
e ao cantar o silenciar do outro, revela um sorriso inexato domado por esse coração que não se mostra, mas que existe e bate aí dentro dessa coisa de aço.
herrar é umano e, enfim, vença ou malogre. só não esqueça: a morte é séria e não admite ironias.

quarta-feira, outubro 25, 2006

shshshst




o dia das palavras desnecessárias é necessário.


mãe crítica desde feto: bah, mas esse post aqui não tem nada a ver, me desculpa, mas não tem nada a ver, mariana.
o eu por respeito fingido: mas mãe, isso aí não é para as pessoas entenderem. basta que eu entenda e já tá bom.
mãe crítica desde feto: mas aposto que nem tu entende! háháháhá!
o eu por respeito fingido: claro que eu entendo, ou tu acha que iria colocar uma coisa à toa, apenas para constar como tal?
mãe crítica desde feto: não duvido necas de pitibiriba.
o eu por respeito fingido: tá bom, então vou te explicar e tu vai entender de uma vez por todas como esse fraseado não é um mero engate do meu automatismo charlatão, e que existe sim, um sopro de vida neuronal na expressão.
é o seguinte: quando morei fora fiz muitas amizades e não sabia falar uma única frase dialetal para interagir, e por mais incrível que pareça, descobri que as palavras são desnecessárias e basta ficar em silêncio perto das pessoas, que isso pode bastar. então, a partir dessa vivência, imaginei que deveria existir um dia no calendário em que as palavras fossem desnecessárias de serem soltas.
mãe crítica desde feto: ah, tá, agora entendi. agora faz um certo sentido; mas só tu que vê isso.
o eu por respeito fingido: mas vai dizer, tu não acha que as pessoas falam demais? ou será mera casualidade que eu e tu nos sentimos mais completas perto dos nossos gatos?
mãe crítica desde feto: ah, eu gostei foi da imagem... mas, mas o que é isso?
o eu por respeito fingido: são bundas, mãe.
mãe crítica desde feto: pensei que fossem dentes.
o eu por respeito fingido: mas só tu que vê isso.


segunda-feira, outubro 23, 2006

cheers!



um brinde à humanidade!
umanidade
uma unidade
úmida
de pura bosta!


uma ida dá de?
sim, uma ida dá de.
da de ver
na verdade
que emana da manada
não importa a idade
uma danação dentata danada

sexta-feira, outubro 20, 2006

céu aquático


caiu o anel no mar e não se deu por satisfeito em perder o seu bambolê de dedo. levantou o tapete de águas e descobriu que os crustáceos têm verdadeiras joalherias sob o manto azul.
os maçons do descuido alheio armazenam as deixas que as ondas malandras fazem cair por água em imensas galerias de enfeites a rutilar...
querem a sensação de céu com brilho dentro das águas para afugentar a tristeza do lixo que veio para ficar.

sábado, outubro 14, 2006

ódio meu

às pessoas que me cutucam por terem pimenta na pele: Dani Krugets, Ane Minuzzo, Fábio Rosenfeld, ou extremamente inimigas - espécie eqüinas tantas, que o simples respirar já ouriça. assim sou - amo ou odeio. preciso de máscaras circunstanciais e durex para sorrisos de meia bochecha.


quero fazer acupuntura com minhas letras para atravessar-te o corpo.
acaso não é intenção causar males. são apenas momentos de uma intensidade que não sei lidar já lidando. aí corro e escrevo na hora. pão fresco da piração justificada. acaba saindo isso - essas baratas esmigalhadas pelo impulso do nojo, e tu, a manjedoura maior do meu parir.
a arte não é somente flores e amores. a arte dói. e a dor é prazer e o meu prazer não é filiado ao lirismo.

o circo me é escola. e lá, aprendi lidar com a dor e fazer dela o instrumento condutor da beleza. a dor não é feia, a dor não é ruim e quando dominada é a maior aliada - instrumento agudo e penetrante para o triunfo com glória.
a dor é o reflexo do nosso fundo fincado. ultimamente opero neste plano - no plano da dor em meio ao desajuste, que, em breve, espero, não seja curada com homeopatia que foi encomendada.

a dor. ador. a dor é o ardor do viver. muitas leituras, mergulho, me entrego, sofro, choro, odeio, me perco, amo. amo mesmo, claro, mas meu amor é estratificado e já não me embriago com o lirismo que dele evola. eu quero mais, eu gosto das coisas que constritam os vasos sangüíneos e tremulem meu beiço contrátil, dilatando as narinas como um cavalo pronto para ganhar ou ganhar a corrida.

meus ódios são ondas de desajuste que me deixam viva, vivinha e pronta para descascar pele de tantas forem as cobras pra fazer sapato apertado à cinderela que não merece príncipe.
o por quê?
nem tudo tem explicação.arquivei o cientificismo e não estou pronta para equações explicativas. bem-vindo ódio meu.

segunda-feira, outubro 09, 2006

feia?


a caveiruda se rebocava. de meia em meia hora ia ao espelho rebocar a bocarra de um batom cor de lama. depois de besuntar bem os beiços esperava a escuridão da boate transformá-la em cinderela de fábula. assim, amanheceu o dia e a carruagem não veio. a vontade de ser uma bella donna ficou perdida no vapor da noite esgotada. agora, ela descia as escadas do inferninho, meio torta e acompanhada do etílico caminhar que se expandia para os lados, batia descompassada na laje, os sapatos pintados de caneta hidrocor. o sol dourado batia em seu rosto de esfumaçado colorido, que borrado, revelava toda a fealdade que o breu da noite escondeu.
mas faltava pouco para anoitecer. em pouco tempo ela novamente se esconderia feliz em meio às sombras necessárias à sobrevivência dos rejeitados. era inverno, o dia durava menos e isso lhe fazia um enorme bem que se bastava. depois do mágico batom-lodo aplicado, dançaria nas nuvens vaporosas do gelo seco. tudo ficaria bom novamente, e a ilusão do escuro seria a sua maior arma contra todos que não a olhavam.
a feia não era feia, mas ela precisava das sombras para se transformar.

terça-feira, outubro 03, 2006

vanitae


a pior prostituição não é aquela em que se rebola o corpo
por alguns maços de grana.
a pior prostituição é outra mais sutil.
é a rodada de bolsa do ego para ficar na vitrine
esgarçando sorriso engessado.

domingo, outubro 01, 2006

niger fly


há dias queria pedi-la em casamento. tomou coragem. antes das passagens comprou as alianças; o neto estava saudoso do vô e rumava com erva de chimarrão para matear os dias longínquos; a moça veria o pai do nenê, não há muito no mundo; o outro queria férias, férias, férias, enfim livrar-se e viver; a outra finalmente fecharia o contrato do seguro com o grande cabeça; aquele voltava para casa antes do tempo e faria uma surpresa às crias; a outra iria estreiar a voz em outras terras, em um show marcado pela amiga; ele levava um violão suplicado pelo filho para iniciar-se nas cordas; a avó levava potes com geléia de ibiscus forrada de pano xadrez; o outro, pequeno, viajava sozinho pela primeira vez e via da janela a imensidão do céu de outubro.
a outra + 13
o outro + 30
a outra + 30
o outro + 20
a outra + 7
o outro + 11
a outra + 9
o outro + 6
a outra + 9
o outro + 13 outras

e o resto da história tá no mato fechado- a aliança soterrada no chão úmido. o violão entre os altos galhos das araucárias. a fazenda xadrez despedaçada no barranco. a mamadeira entre bromélias. as partituras cobrindo as guanxumas e as tantas coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas e coisas.
as todas vidas que foram não voltadas só o polvo do céu pode falar. ele estava lá.