domingo, janeiro 07, 2007

um asar de azar

um barulho foi escutado. alguma coisa batia contra o vidro. tum-tum. bac-bac.
o vidro da janela da área tremeu. bum! bac! bac!
Miriam caminhou até a lavanderia para averiguar e, de toma-lá-da-cá, escancarou o vidro a uma só vez, achando ser mais um trote da meninada.
olha, que surpresa! que surpresa! um pássaro. tão pequenino, tão atontado, pra lá e pra cá, em seu incipiente descompasso de penas.
batía-se todo, pobrezinho, desatinado a procura de um rumo.
esbarrava, insistente, entre as paredes da área da frente do apartamento de Miriam.
o teimoso, queria as nuvens, mas errou a rota. ao tentar entrar pela porta entreaberta do vizinho da frente, Miriam gritou:
- não entra! não entra! vai ficar preso!
o pássaro cambiou a direção, voou da área da vizinha, planando próximo ao seu rosto.
- sobe! sobe! - dizia ela acompanhando o movimento do priosioneirinho com a cabeça para fora da janela. ia subindo ele em um asar de azar, topando ao léu entre esbarros de tontura no foço salpicado do condomínio.
queria o céu, mas foi na janelinha semi-aberta da cozinha do terceiro andar que tentou entrar em cega obsessão por se escapulir.
- não, aí não! aí não! ela berrou, colocando o eco a existir boca a fora.
o pássaro, desgovernado no ar, volteou, volteou, desistindo da sumária abertura da basculante.
- pra cima! pra cima!
à medida que Miriam gritava, o pássaro ia subindo, pouco a pouco, ganhando mais e mais uma alturinha.
e assim, lento e cheio de treme-treme, tentou entrar na areazinha do quarto andar em sua insistência de plumado tonto e...
- vôa! não entra aí! ela disse.
e eis que, depois de tanto esforço à liberdade, em um céu cinza de janeiro quente, ele vai se indo, se indo... e seu corpo de bolinha fofa sumindo. as retinas de Miriam, fixadas ao alto, esperaram aquele pontinho desaparecer na distância até mais nada haver a mirar. e então, pasmada, ela balbuciou:
- o pássaro falava português!