
em pensar que um dia, toda essa festança de condomínios e luzes coloridas já me emocionaram tanto; emoção de inflar o peito, quando a suburbana virou o jogo, saiu de viamão e, finalmente, pertenceu à cidade. agora, enfim, aos doze anos incompletos, estava radicada em porto alegre; (?) era toda dona da noite dos sonhos - habitada por gente nas ruas, movimento o tempo todo; ficava pejada de orgulho - ó aceleração citadina do não-pode-parar das loucas avenidas cruzadas! e eu possuía uma - em que fui morar. havia um viaduto iluminado bem na frente da janela. guria de cidade, eu.
e a arte! a arte estava comigo. a Arte, por tudo, uma relação simbiótica fantástica - às paredes, que telas! cinzentas e tanto - putinhas exibidas e sem vaidade nenhuma, oferecidas ao pixo das gentes-cachorro marcarem seus territórios - limitações do grito mudo e da letra feia, de desenhos escorridos no susto dos que gostam temer.
eu? eu finalmente pertencia. fazia parte dos poleiros alinhados, morava em um deles - em geral, duros, inquebrantáveis muralhas de silêncio quebrado apenas pelas vozes metalizadas dos interfones que emitiam som um de fúria desconfiada atrás das portas de ferros.
eu? eu finalmente pertencia. fazia parte dos poleiros alinhados, morava em um deles - em geral, duros, inquebrantáveis muralhas de silêncio quebrado apenas pelas vozes metalizadas dos interfones que emitiam som um de fúria desconfiada atrás das portas de ferros.

hoje, o peito que tanto inflou, tanto se emocinou a esse pertencimento Perestroika, está na direção contrária - plasmolisado feito uma ameba seca, seca de tristeza por longe estar do seu habitat - e que mesmo aos tropeços, se adapta, tem sempre na manga seus mecanismos de defesa, justamente por saber fingir bem que ser atropelada por pessoas é normal, ver mendigos pelos quatro cantos implorando um reles níquel -"faz parte", atravessar a rua e quase ser esmigalhada no sinal ao pedestre é questão de detalhe; que a guerra civil é um teatro de módica entrada; sim, saber sim, fingir! ser boba-cega - deixando evidências simbólicas passarem batido na minha vista grossa que não percebe percebendo o quê das relações descartáveis em que me emaranhei por gosto, mesmo sabedora de suas datas de validade a expirar.
mas foi bom. claro que foi. ser boba, ser cega. ser boa. o parvo sempre sofre menos.
hoje, a cidade me mata mais, me mata todo dia um pouco-muito. e pode crer que dói. me mata num perto de longe alcance. cada dia, uma facada a mais. e o corpo resiste às estocadas - afinal, sou uma estóica com tronco de árvore centenária para proteção aos lenhadores de machado. e, nesse ínterim, nessas minhas levas de lamúria e resistência que se multiplica a cada esquina transida de sufoco - algo - de repente, despertou em mim quando um amigo falou:
"- será a cidade ou tu, mariana, que te fazem mal?"
sinceramente?
os dois.
mas eu resisto.