sexta-feira, fevereiro 04, 2011

do que retumba



essas duas figuras me são muito caras. cada qual a sua maneira.





AMNÉSIA


hoje, estava vasculhando velhos arquivos com o intuito de terminar textos que não se findam justamente por aquele instinto de saber que a produção ainda não atingiu o seu ponto ideal - de "tocar a musiquinha", - e também, por incrível que pareça, tentando lembrar no que havia mesmo pensado ontem à noite, um pouco antes de dormir, quando geralmente sempre fluem as ondas de sinapses mais sutis, mais leves e dignas para aqui poderem ser colocadas senão os meus destemperos e extravios sentimentais de praxe. mas não adianta, a amnésia é um fato concreto na minha vida; no day after nunca lembro das coisas enesimamente pensadas e sulcadas com formão no côco. isso já é normal. já é rotina. e por mais que eu repita a ideia feito taboada para não esquecê-la, basta um simples fechar de pálpebras, ou um acordar que se delonga a mais que... adeus. adeus mesmo, seara. o ideal seria levantar correndo da cama, fazer as anotações, assim, como compulsivamente fazia Caio. porém, comigo não cola e mesmo como inveterada amante de Caio, caio. caio na armadilha: "dessa vez, certamente vou lembrar..." "dessa vez, vou lembrar sim, oras, como não?" e lá se vão mais de cinco anos, das vezes sem conta, em que não salvei um único pensamento frutífero que nascera e que hoje poderia ser cidadão.



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bueno, depois de diversas tentativas vãs de relembrar o ontem, abandonei o caso; resolvi, então, reunir algumas fotos recentes das duas doidivanas de apreço e relembrar de uma fala atravessada, que ecoou en el cabezón de ane, no chá de fraldas da marina.



Anica, recém chegada e já sentada em sua mesa, ainda adaptando os seus mecanismos sociais ao meio, entabulando lá uma conversa amena com os convivas, quando, na cruzada de um desvio ocular despretensioso, seus olhos imantam-se com o da dona cecília kid. oras, esta, prontamente, quando a reconheceu no relance desavisado, atravessou o salão de festas aproximando-se de ane e apertou-lhe as bochechas inquirindo a la maga clarividente:

- e então, Ane, tu estás criando?
- ...
..
.

findo o ecoar mental prolongado de sua pergunta, a resposta então sobrevém em ondas da consciência provavelmente tocada:


- nãããããããão. não estou criando.


mudaram de assunto e não sei mais o quê continuaram falando. o fato em questão é que um louco sempre reconhece o outro louco. a cecília quando não cria, opera numa vibe baixa, fica com uma cara estranha e a acorda cedo. a ane quando não cria, suspira mais, seus os olhos abrem menos e parece flor murchinha, no calor.


A CULPA


então, ontem (29/01), durante sua visita, a ane comenta (isso eu não esqueci! chove agora):


"bah, no dia do teu chá, aquela pergunta direta-e-reta que a tua mãe me lançou está reboando aqui dentro até agora, como um trovão. e, desde lá estou sempre pensando nisso, - nessa coisa de não estar fazendo nada com a minha aptidão; de ser uma especialista naquilo que eu não gosto de fazer. é preocupante! além de perigoso, também. bem, a partir disso, tento ter idéias. idéias novas. buscá-las, ao menos! ah, mas que a perguntinha da tua mãe foi uma flecha que me atravessou ao meio, ah isso foi. tá sempre aqui dentro, de viés, de uma ponta a outra.


OU SEJA, AGORA TRAGA CERVEJA!
(elocubração típica para um barzinho ao ar livre, na sexta-feira, depois de duelar o dia todo com cobras e chacais.)



existem certos espíritos que necessitam da criação para manterem-se vivos. e esse processo atua como uma necessidade fisiológica. e, independente desse papo de "sou artista" pra lá de manjado, o assunto exige seriedade. a arte como modo de sobrevivência psíquico em meio ao mundo real é inegavelmente uma forma de se tentar estar a salvo da crueza com que a realidade nos achata, nos alfineta, nos esvazia à completa murcheza existencial. e a ilusão e não a verdade é a condição de sobrevivência do homem (não nos iludamos ao contrário - o que salva é o sonho!). não digo necessariamente a arte como instituição e Obra, mas uma atividade propriamente criadora, envolvente, uma força artística presente não somente no homem, mas em todas as coisas.


então, nesse caminhar íngreme de acordar 70% do tempo para que protocolos survivers sejam cumpridos, vamos vivendo a constante luta contra vida. e ao considerar essa perspectiva, eis à tona o grande sofrimento do homem racional: sua total incapacidade de lidar com sua dimensão estética. em outras palavras: "nós sofremos de arte." isso será até o fim. enfim. sim, não há cura.