Eu, o pavio convulso da vela que chora a morte, clamo, doida em dor, em meio a despejos bestialógicos, à minha eterna incompreensão humana frente à insensibilidade de um homem que virou estátua.
E, me diz, se é que existe algum deus, onde está esse deus para desconverter isso?
Deus? Sim, esse aê mesmo, que vocês escrevem com “d” maiúsculo, e de quem preconizam a existência em tudo que é canto em que se chuta uma pedra!
Ah, quer saber, tem horas que deu desse devaneio. deu de papo de deus. Procuro-o, de déu em déu, mas, chego à conclusão de que ele mora é num casebre e não está mais nem aí para a moral.
O deus desistiu do mundo, e quer mais que os popstars se fodam com seu farisaísmo ultrajante; condena à paixão, esse anjo folk das tormentas e, decepcionado, apesar das boletas estrelares, sabe que a maldade é uma deliberação da vontade consciente dos que o negam, e, por isso, resolveu se isolar e cagar para o mundo até que tudo derreta de vez.
Os tempos estão mortos. Por favor, me dêem um jato de éter na cara, que construirei um reino bem longe daqui.
Do intempestivo mergulho ao fundo do poço brota o que não sonhei, ou o que sequer esperava sentir -, o súbito assalto às cegas da transformação do eu.
- É um assalto, porra! Passa tudinho! agora tudo vai mudar. Mãos ao alto! Tudo vai mudar. Passa logo, senão é tu que vai pro ar!
Sim, a vida cobra tudo, a todo instante, com o cano em riste apontado na cara; e o troco, por ter um coração bombando um sangue bom, é bater o nariz na fundura de um túnel escuro, enquanto os pés, ainda há pouco, terreavam firmes nas azaléias do parque.
Ah, mas não pode ser! Há pouco, instantes atrás, os pés carregavam pernas, que carregavam o corpo, que carregava a cabeça, que carregava a boca, que carregava o sorriso que se rasgava todo de alegria por coisas tão simples. E agora estão aqui, nesse fundo.
Aí, então, vem uma coisa. Úlcera. Duas coisas. Mágoa. Três coisas. Salgada saliva carrasca trancadora de garganta. Quatro coisas. Sufoco. Cinco coisas. Desatino. Seis coisas, mas...
Mas Agradeça.
A Dor?
a ela. A perda, beibe, é mais que um prejuízo. é um buraco imprestável em que tu acabas de cair de quatro, e o alento, pode esquecer, porque não é aquele ditado clichê que diz ‘se güenta, se lamenta, mas se levanta’, pois as pernas estão completamente amortecidas pelo tombo, as nervuras da coluna estão rompidas, porque simplesmente as vértebras se partiram com o baque.
Vilipendiada. Sete coisas. Sete dias da semana. Sete notas musicais. Sete cores do arco-íris. Sete pecados capitais. Sente o sete ser a seta que rasga. Já sentiu? A Cabala da dor que abala. Já sentiu? O Número mágico. Das grandezas.
- Mas...dor é grandeza da alma?
- Não sei, mas... agradeça.
Sim, mas agradeça. agradeça curvada, sua boa marionete agora inútil, à peça pregada pelo script da morte não-cardíaca, e largado just for you, adrede amassado, rascunhado, e sob um medíocre capacho de tampinhas, para quando tu ajoelhares para pegá-lo, seja tirado o teu coro, bem aqui ó, logo abaixo do empurrão que fará a tua queda.
Ah, e detalhe: ela, a tal morte não-cardíaca e seu script de carteiraço, não se satisfazem apenas com sangue de joelhos. Sangue de joelhos é esmola pura. é pratinho de entrada do banquete que ainda está por vir. Escuta, menina, e mira que belo... ó, agora ela bate na porta. E a porta está sem tranca.
Obrigada. Sempre obrigada. Já tanto faz, ou fez, agora há uma purulenta ferida na alma. Gangrena no tempo. Chaga na vida quando eu mais precisava viver.
Depois do choro estriado ouvido pelos telhados, os soluços sobem à boca, cuspidos num resfolegar de desventrada cavalaria em guerra e sem consolo de volta. A face escalavrada é esculpida em pranto no vaguear da quente vertente que os olhos secretam em um sem-fim de aguado sal. A garganta cansa. Aliás, o interior do pescoço nem é mais garganta. é um cano de despejo a céu aberto que faz alguma limpeza e bom obséquio de levitar a alma acima de tantas e tantas águas viscosas.
Sob a luz pardacenta, o corpo trepida, treme em choques convulsos até amansar, e, - num repente -, vazado, cansado, surdo, esquecido, consumido pela voragem da dor. E agora, depois de tudo e tanto -, puro, livre.
A casca sêca cai. A pele agora é rósea. O sangue seco estava ali. Sumiu o que cobria a nova pele.
O aprendizado verdadeiro é a volta do poço. Aliás, a volta do fundo do poço. É a pele que ficou rosa quando sempre foi só branca. E eis o certificado régio da graduação em Metamorfose do Eu não solicitada – a pele rósea, sensível por mais algum um tempo e ainda destituída da melanina que cobrirá o espírito.
E por fim, depois que não há mais aonde se expandir, há um ganho de altura nessa baixa sub da sobrenatureza do sofrimento. Acomoda-se a dor; e o que doía muito agora é finco.
Ah, e apesar dos espetos rasteiros, vejam só! eu tenho asas! minhas asas são enormes e impedem-me de avançar. E mesmo assim, sem nenhuma fé em deus, eu digo e repito: adeus. Adeus.