terça-feira, outubro 09, 2012

a chave

quando eu começo a abrir as infindáveis caixas da mudança, posso incrivelmente sentir os eflúvios da casa antiga recendendo junto com todas as coisas que vão saindo de dentro delas.  mais fácil seria tocar a vida estando este apartamento vazio e recomeçar tudo do zero, sabe? realizar meu grande sonho de me desescravizar das coisas, essas mesmas arapucas que me atam em meio a tralhas, espelhinhos de índio acalentado. e lá vem os cheiros de novo. isso dói. e dói justamente porque a vida não volta e voltar não é mais a solução: é a derrota. então não me güento nesse fatalismo e caio na tentação viciante de ouvir o gato miar,  puxando uma seleção de bandas gaúchas da porra salvadora do youtube, aí, pronto: é sanguinário esfaqueamento nesse peito nada engessado de devoção besta! bidê o balde, pouca vogal, wander wildner, tonho crocco, ô. júpiter maçã, ultramen! acústico & valvulados, um tal de eric van delic...  bah, somente a gaulesada fodalha a chamar o Jason em plena segunda-feira quase 13.

entre sincopadas gaudérias que mitigam e ora torturam essa minha sede salgada de saudade, não me resta outra aventura senão ficar jogando uma espécie de três marias mental: fico paralizada sobre os amontoados de papelão dando um tempo pro porre de ressuscitar coisas, coisas, coisas, coisas, coisas e resolvo que a melhor saída pra fugir da escravidão material é refazer, aqui, sem pressa os caminhos antigos e reincidentes do bonfim, revendo os amigos pelo pensamento, emergindo da consciência as mancadas a contra-gosto,  minhas faltas e provas, talvez, veladas, de amizade; o silêncio escorpiônico delongado por fome de auto-ajuda e necessidade de boca calada, colada de gostosa solitude; imagino, também, os canteiros repletos de flores dos Ipês antigos, tapete orgânico pra alegria e desespero dos velhos maniáticos das calçadas tantas; os parques de porto na primavera cada vez mais temporã, esperando a minha canga da bahia e um belo chima da bruxa Amanda! o cais da mauá e seus guindastes semi-escondidos dos olhos de todos, o rio meio podre, mas guaíba a emoldurar o  orgulho do grande nada... e então sinto que sou sim, sou, mais do que nunca, uma estrangeira em busca de uma ressignificação pr´uma vida que ainda nem me atrevo direito a peitar. afinal sou fixa. sou gato ancião que não quer mudar de casa por nada deste mundo. 



 



Ainda não me sinto, ainda não me imagino, mesmo já estando na pólis dos bem-aventurados. É estranho escrever isso, já me precipitando com certo estado de espírito gaucho de não pertencimento quando fora da querência. Talvez sejam as dores do desenraizamento forçado. Porto Alegre. P-o-r-t-o Alegre. província-cozinha da mamma e do macarroni quentinho. Há algo de confortante na ovópolis onde nasci. Por isso de "cozinha" - lugar, em geral, medianamente pequeno, onde nos sentimos bem, seguros, perto dos açúcares, bafores, temperos, colheres, guinsos cegos ou nem e cristais paraguaios. Assim é minha Porto Alegre; minha cozinha onde relego a louça, porque sempre há tempo. "Nessas cidades" mais aceleradas, mais modernas e desenvolvidas, à sombra de paulicéia, a corrida pela sobrevivência desumaniza, acaba artificializando a vida. a vida linda. de piscina de esplanada. e tem que estar tudo em ordem. não se adia a louça. tudo tem que estar bonito na terra dos polacos do taco com sinteco. essa coisa muito bonita e certinha me cai um tanto besta. enfã. preciso de um divã. para desabafar meus afãs de Teixerinha. Afãs de meu Tio Mário, que, ao vir ao paralelo 30º, sempre anuncia ser a última vez da vida dele, um sem-número de vezes; mas, invariavelmente, dá um jeito de cruzar o globo pra passear no brique. é isso que faz porto alegre: amarra. dá uma chave de buceta nos vivente.