
no dia 23, lá pelas 2:30 da manhã, eu comecei a sentir as contrações. e, como uma ferrenha obstinada ao parto natural, sabedora de que a hora certa para ir ao hospital era somente quando as contrações ficassem regulares, - de cinco em cinco minutos, por mais de três horas - aí sim, aí era chegado o momento de pegar as malinhas e finalmente bater a porta de casa. entonces fui driblando os reveses durante o dia todo, fazendo as respirações, os movimentos aprendidos na yoga para gestantes, para amenizar a tortura "das ondas" dolorosas. anotava, de modo doentio, com o lápis na mão, toda e qualquer onda, curta ou longa, absurdamente cega, focada no sonhado parto natural. agora, imaginem vocês - fiquei mais de um dia escrevendo os horários e o tempo de cada uma das dores e delirando, sempre.


o paroxismo da dor foi às cinco da manhã, do dia vinte e quatro. Aí, eu já estava muito mais que lôca. estava completamente out of control. ninguém podia me perguntar nada, porque tudo - absolutamente t-u-d-o me irritava, me tirando do sério. ao lembrar desse momento, creio que a personagem do Exorcista e eu apenas nos dissociávamos pela falta de arranhões no meu rosto. doidaaaaaaaaaaa! doidaaaaaaa pura.
cheguei no hospital às 6:30. O Fábio foi um grande companheiro, colocou músicas lindas no trajeto para o hospital. e, como isso foi bom! aliviou, além de deixar uma trilha sonora como O legado da grande hora.
o enfermeiro muito atencioso me recebeu na porta do carro,- perguntou se eu necessitava de uma cadeira de rodas, porém, preferi ir caminhando, porque ficar sentada doía mais ainda. peguei o elevador, e credo! as pessoas circunstantes com os olhos pregados em cima de mim. coisa bem chata, essa. mulher parindo é atração! não adianta!
depois sucessivos exames de toque de enfermeiras estranhas, a minha médica chegou. livrou-me daquela vivência horrorosa - das outras mulheres afundando os dedos dentro de mim até a goela! sentia-me uma Coisa, e o desalento é que não havia escolha - tinha de me submeter aquela situação. havia outra saída?!
essa sinuca de bico de dedadas invasivas na marra foi uma das piores sensações da minha vida: o exame de toque da finaleira oficial da gravidez. doeu muuuuuuuuito. mas muuuuuuito mesmo. confesso, depois dessa dor nasceu um macho dentro de mim. agora só falta eu deixar crescer os bigodes, porque não falta mais nada; pois, conforme já relatei em outro texto: pra ser homem não precisa ter tico: afinal, meninos são meninas e meninas são meninos.

quando a médica rompeu a minha bolsa, de imediato, avisou: o parto natural até daria pra fazer, mas precisaríamos de, no mínimo, 18 horas para que eu obtivesse os dez dedos de dilatação. e, naquele momento, - pasmem! - apesar das mais de 24 horas de pródimos, estava apenas com 1 dedo! já estava muito piradona para suportar mais todas essas horas que ela previu, ainda mais sabendo que teria um árduo trabalho pela frente, afora que a água da bolsa já estava com mecônio. enfim: fui pra faca, não teve jeito. preferi, obviamente, não arriscar o bem-estar da nenê. todavia, frustração foi pouco. me senti um nada, um nada sem forças, muito embora concensiosa por uma grande causa, mas, acima de tudo, esvaziada da expectativa gerada, uma coisa menor, dependente dos bisturis e agulhas; impotente frente ao destino que não oferece escolha; e não mais aquela mulher poderosa, cheia de forças para enfrentar cobras e chacais que de praxe habitam em mim. então, naquele momento broxei por muitos e muitos dias. acho que broxei até hoje!
a cesareana é uma coisa meio sem graça mesmo. a peridural deveria ter outro nome: deveria ser pedreira. afinal, uma fincada na coluna sempre será uma fincada na coluna, e apenas um ínfimo errinho pode deixar lesões irreversíveis. não nego: arreguei. não nego: detestei. não nego: sempre vou odiar.
tantas luzes, aventais, lençóis azuis, luvas, tilintares rápidos de instrumentos cirúrgicos ao derredor, bipes eletrônicos do eletrocardiograma, e eu tentando assimilar, gravar todas as cenas em minha mente. prestava atenção nas pequenas falhas do teto, nos sons todos, na naturalidade das enfermeiras vendo aquela sangueira, na trama do tecido que tapava a minha visão da cena e então, de repente lembrei de que não havia aprendido a tecer no tear por pura preguiça. como eu havia ficado preguiçosa depois de terminar a faculdade! aliás, nesses últimos anos, o corpo, a mente estavam tão devagar. para emagrecer estava devagar, para fechar um trabalho era slowmotion e... no encadeamento de tantos pensamentos vãos sequer senti a marina vindo ao mundo. a Dr. Ana foi quem me avisou, às 08:53: "- óh, a marina tá nascendo!" então redargui: e por que ela não está chorando? (porque quando a água da bolsa já possui mecônio, eles primeiro aspiram as sujeiras do nenê e depois dão a palmada.) a Nina saiu voando nos braços dos tantos médicos e eu nem a vi engolesmada! quer vivência mais sem graça e burocrática?
quando o Fábio entrou na sala, com a Marina no colo - nossa! inegável! foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. chorei. chorei de tanta felicidade, chorei por tanta coisa. todo aquele esforço, todas aquelas noites mal dormidas, toda a abstinência de vinhos, cervejinha gelada, saídas, viagens, mijadeira descontrolada, enjoos, vômitos... e, ela, finalmente, ali, comigo. conosco. e nós conhecendo o seu rostinho. como imaginamos esse momento!
o primeiro pensamento
quando a peguei no colo o primeiro pensamento que passou na minha cabeça foi: "- será que ela é a minha filha, mesmo? e se por ventura trocaram ela?" indaguei o Fábio veementemente se havia ele absoluta certeza de que aquela nenê era mesmo a Nina e que não haviam colocado outra menina no lugar dela. ele, com o inexorável ar leonino - inabalavelmente convicto, - disse-me que desde o momento do nascimento ficou ao lado das enfermeiras e que ela havia sido a única menina a nascer naquela hora.
ufa. que alívio. mesmo assim, a pulga insisitia em permancer atrás da orelha. delírios. delírios reais.
na sala de recuperação colocaram-na junto a mim. ficamos nos estudando, nos conhecendo melhor uma a outra. uma vasta mistura de sensações invadiram meu ser prostrado: de incredulidade, de estranheza, de amor que nasce orgânico - das vísceras, sentindo os ventos da mudança soprando, escravizando o tempo... tudo isso entremeado de dor, de imobilidade corporal e hipersensibilidade pós-parto.
só. só. só.
a torcida do lado de fora era esfuziante. disso eu já fazia idéia antes mesmo de Marina vir ao mundo. seu nascimento desencadeou um festival de auês que me afetaram psicologicamente. precisava de paz. sobretudo de muita paz e descanso. e, ao contrário do meu desejo, recebi diversas visitas quando não estava nas mínimas condições suficientes para fazer salas e prosear depois da magnitude de tal cirurgia.
DIVINE.
o café da manhã dava gosto. do quarto havia uma vista esplendorosa. tive que fotografar pra não esquecer esse presente. lá no fundo, o morro da Embratel, na Glória. nem parecia Porto Alegre.
OLHA A BALDAAAAAA!
acampamento
essa guria adora um colinho. detesta um bercinho, um carrinho. talvez não goste mesmo é da solidão. ela quer morar em cima da gente. e isso é tão ruim - o acampamento abdominal escraviza os genitores. eles não conseguem executar mais as suas tarefas, agilizar o cotidiano, oras! ahhhh, esses pais velhos, inexperientes, não sabem nada. mas, contudo, tentam acertar caminhos... aos poucos.
vovô simão. vovô babão.
amamentação: é, tem que querer.
visita, visita! visita do tio Israel.

primeiro momento família feliz.
a foto revela um pai maduro, porém, ainda sem prática, embalando no sufoco a filhota. a minha a carita, por sua vez, ainda bem inchada pros lados, dos soros e da própria gravidez. hoje, dia 13 de março, estou quase dez quilos mais magra. nariz e rosto mais afinados e abstêmia das costumeiras taras por melancia, pêra e mu-mus. sinceramente: saudade da sensação de êxtase proporcionadas pelas papilas gravídicas! :P
nunca comer foi tão bom. tão prazeroso. nunca. e isso VAI fazer falta.
lego - bom assim seria...

visita! visita! visita! dos primos enlouquecidos por conhecer ninoca bolota.
" -ahhh, eu quero pegar! ah, eu também quero segurar!"

ah, essa pigméia minha... me desarma com sua naniquice.
o ascendente em áries - no galope sempre adiantado
dona de uma voz...
poderosa. os vizinhos adoram. principalmente as intervenções das 2:00 e das 4:30 da manhã. é que ela só quer dizer 'bom dia, antes do galo!' momento zen. relax total. ok. ok. a mamãe o papai já sacaram a onda: já que o teu sangue é quente, guria, - as tuas águas de março tem de serem certinhas nos 36º graus. não repetiremos o erro dos 38º. ahh, e isso faz uma diferença...
é isso que eu temo
simbiose incontrolável. grude de piche a chiclé derretido - taí, a balda pura.

por ora, como diria, o bom Pernalonga: "that´s all folks". despeço-me numa espécie de The End forçado. afinal, essa história não tem fim. na verdade, ela recém começou...