sábado, julho 08, 2006

o riso do cachorrinho rei

o cachorro era o rei do centro da cidade e de dentro do carrinho de compras raramente saía. ficava sempre enrodilhado em seu lugarzinho de nascença sorrindo para os transeuntes com os pequeninos olhos fechados e a língua bem caída mostrando a bocarra de jacaré do asfalto.
seus donos cediam-lhe sempre o cesto de aço e acabavam carregando os mulambos da batalha da vida e todos cafofós nas costas, mesmo que tivessem muitas coisas para deslocar. onde iam empurravam o carrinho com o cachorro dentro. tremilicando o corpo nas calçadas desfalcadas, ia bem belo, meneando a cabeça para os lados com a carita atorada pelo riso alongado. colocavam-lhe sempre um boné para que não tomasse sol e assim, iam migrando por vários pontos da cidade.
por onde passava, o cachorro exalava uma beatitude ao respirar ofegante, e quando sua língua era mostrada aos passantes, todos sentiam uma coisa bem diferente, aliás, uma coisa extraordinarimente boa! não é que o cachorro realmente sorria?
ali, apartado da guerra diária, sorria ao mundo que passava nas ruas e, em meio às latas de ervilha, embalagens plásticas, cordões e trapos coloridos, firmava o reino do riso dentado.
todos os passantes que paravam queriam tê-lo. todos, quase todos queriam ter o cachorrinho que ri. queriam aquela línguona e os olhinhos cerrados do exultante doguinho para em suas casas viver. não poucas vezes tentaram comprá-lo ou trocar por algo valioso, mas acabou nunca saindo do carrinho do super.
o tempo passou e para os tantos rostos continuava a sorrir sem dali ir para outro lugar. talvez já era feliz com os donos que o empurravam por dias e noites sem o desalojar de seu trono andante. e naquelas ruas todas que sempre iam e viam do cenário movimentado da urbe, fazia o seu reino - no palácio invisível da liberdade.